Lê-se a entrevista de Assunção Cristas ao Público e nem se acredita. Sobre o setor bancário a ligeireza é tal, a leviandade é tanta, a tentativa de passar-culpas é tão descarada que é impossível não arregalar os olhos. Ora atente-se neste trecho:
Alguma vez antes da queda do banco o assunto BES subiu a Conselho de Ministros?
O assunto BES nunca foi discutido em Conselho de Ministros com profundidade. Já disse isto.
[…]
Hoje, repetiria a resolução que tomaram no caso BES?
É uma pergunta difícil, porque, mais uma vez, volto a este ponto, nós não discutimos os cenários possíveis no Conselho de Ministros. […] Esse decreto-lei foi aprovado com uma possibilidade regimental que era à distância, electrónica. Eu estava no início de férias e recebi um telefonema da ministra das Finanças a dizer: “Assunção, por favor vai ao teu email e dá o OK, porque isto é muito urgente, o BdP tomou esta decisão e temos de aprovar um decreto-lei.” Como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiers, a única coisa que podemos fazer é confiar e dizer: “Sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK.”
Portanto, um dos maiores bancos do país colapsa, o Estado entra com milhares de milhões de Euros e Assunção Cristas explica-nos que estava a banhos e, por isso, assinou de cruz!
Ainda tenta ensaiar uma explicação que faça a coisa parecer menos escandalosa: o princípio da solidariedade governamental. É um conceito pomposo para tamanho desleixo. Mas entendamo-nos: das duas uma.
Ou o CDS invoca a sua costumeira teoria da «responsabilidade governamental limitada» (“ah e tal, nós éramos o parceiro minoritário da coligação, só podemos responder pelas poucas pastas que nos estavam atribuída, o resto é com o malvado do PSD”), coisa que Assunção Cristas tenta fazer – uma vez mais – nesta entrevista ao invocar que Passos Coelho nunca levou o tema da banca ao Conselho de Ministros. Ou o CDS se assume solidário com o anterior Governo e, nesse caso, é co-responsável por todas as suas ações e omissões até às últimas consequências.
As duas coisas ao mesmo tempo é que não dá. Assunção Cristas, porém, num exercício de autêntico contorcionismo argumentativo, consegue a proeza de invocar a sua solidariedade com o anterior Governo para se pôr ao fresco das responsabilidades que esse mesmo Governo tem pelo estado em que deixou o setor financeiro. Baralhados? Pois, eu também.
O problema, no entanto, é que por mais artifícios argumentativos e historietas de início de férias que Assunção Cristas nos venha contar, o CDS está profundamente comprometido com a incúria do anterior Governo quanto ao setor bancário e, em concreto, com o desfecho encontrado para o BES. Afinal, a resolução – nos moldes em que ocorreu – só foi tornada possível através de dois decretos-lei (DL 114-A/2014 e DL 114-B/2014), ambos referendados pelo Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas. Aliás, o segundo desses diplomas (o tal da assinatura eletrónica durante o primeiro fim-de-semana de agosto) até só aparece assinado por Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque. Já o primeiro foi aprovado presencialmente numa quinta-feira, dia 31 de julho, isto é, no último Conselho de Ministros antes do mês de agosto (embora não conste do respetivo comunicado, porque foi escondido dos Portugueses*). Presume-se, portanto, que Assunção Cristas não estivesse ainda de férias.
A confirmar-se, Assunção Cristas participou no Conselho de Ministros que viabilizou a resolução do BES e aprovou o decreto-lei ao abrigo do qual essa resolução teve lugar. Já não se lembra? Passou-lhe ao lado? Não quis saber? Ou será que já estava com a cabeça na praia?
A menos que … o comunicado do Conselho de Ministros de 31 de julho de 2014 esteja correto e o diploma da resolução nunca lá tenha sido discutido e aprovado. O que tornaria o DL 114-A/2014, ao abrigo do qual a resolução do BES foi decretada, inconstitucional.
Seja como for, a candura de Assunção Cristas diz-nos muito sobre a incompetência e a irresponsabilidade com que o anterior Governo tratou do setor financeiro. Consegue ser ainda pior do que se imaginava!
* de todos os Portugueses menos de Marques Mendes. E dos muitos amigalhaços que ainda foram a tempo de vender as suas ações do BES no dia seguinte, a sexta-feira imediatamente antes da resolução.