Um tema recorrente da análise mediática tem sido a possibilidade de sanções devido ao falhanço de Portugal em reduzir o seu défice orçamental para um valor abaixo de 3%. O Governo PSD/CDS tinha garantido junto das autoridades europeias que obteria no ano passado um défice de 2,7%, mas, contudo, o défice acabou por ascender a 4,4% do PIB, ou 3,2% se excluirmos o Banif e outras operações “one-off”. Apesar disto, os dirigentes do PSD e CDS têm teimado que não terão responsabilidades no cartório caso a Comissão Europeia (CE) decida propor ao Conselho que Portugal seja sancionado por ter feito falsas promessas junto dos seus parceiros europeus e estar em violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ao enveredar pela teimosia incompreensível, a direita tenta manter esta aura criada na opinião pública de que sempre foi muito cumpridora e rigorosa nos compromissos europeus.
Pois bem, importa desmentir isto. Importa tornar claro que foram várias as vezes em que nos últimos 4 anos a CE iniciou processos de infração contra Portugal; que é fantasiosa esta ideia de que, nos anos em que a direita esteve no poder, nenhuma tensão existiu com as autoridades europeias. A inação verificada no caso do Banif poderá ser o exemplo mais gritante da alegada eficiência de PSD/CDS em compromissos com a Comissão Europeia, mas outros existiram – outros onde não se admitiu a constante protelação, e que tiveram outras consequências.
Ainda há uns meses, o ministro do Planeamento denunciou que Portugal estaria em risco de ser multado em 5,4 milhões de euros pelo desrespeito de uma decisão de 2012, depois de “sucessivas promessas incumpridas“. Pedro Marques sublinhou que “era muito bom que o Governo anterior explicasse este padrão de mandar cartas para Bruxelas a dizer que daqui a seis meses, daqui por um ano” cumpriria com as suas obrigações e que “resulta num descrédito do Estado português nas instâncias europeias“. Tudo porque o Governo anterior adiava sucessivamente um contrato entre o Estado e a Infraestruturas de Portugal para definir e regular o serviço público de gestão da infraestrutura ferroviária. Felizmente, no inicio deste mês, foi anunciado que a CE tinha desistido da queixa junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em virtude de em Março o contrato em falta ter sido celebrado pelo atual Governo.
Todavia, este pedido de sanções por parte da CE devido à inércia do anterior Governo não foi excepcional e é bom que se sublinhe que nos últimos 4 anos houve pelos menos outras 15 (sim, quinze) situações em que, após avisos e pedidos ignorados, o executivo comunitário processou Portugal junto do TJUE, exigindo sanções por “promessas incumpridas” do seu Governo:
• Bruxelas, 26 de janeiro de 2012 – Comercialização à distância de serviços financeiros: Comissão intenta ação contra Portugal no Tribunal de Justiça
• Bruxelas, 26 de janeiro de 2012 – Carta de condução: Comissão insta Finlândia e Portugal a adotarem medidas
• Bruxelas, 31 de maio de 2012 – Agenda digital: Comissão pede a Tribunal de Justiça que multe cinco Estados-Membros, entre os quais Portugal, por desrespeito do prazo de transposição das regras das telecomunicações
• Bruxelas, 24 de janeiro de 2013 – Agenda Digital: Comissão pede ao Tribunal de Justiça que aplique uma coima a Portugal por excluir empresas da prestação do serviço universal
• Bruxelas, 21 de março de 2013 – Transporte aéreo: Comissão leva Portugal a tribunal por violação das regras aplicáveis aos serviços de assistência em escala nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro
• Bruxelas, 20 de junho de 2013 – Eficiência energética nos edifícios: a Comissão vai intentar uma ação junto do Tribunal de Justiça contra Portugal por não transposição das regras da União
• Bruxelas, 20 de novembro de 2013 – Transporte aéreo: Comissão remete Portugal para o Tribunal de Justiça por este Estado-Membro não garantir a independência do coordenador das faixas horárias nos aeroportos
• Bruxelas, 23 de janeiro de 2014 – Segurança rodoviária: Comissão leva Portugal ao Tribunal por não estabelecer orientações para a avaliação da segurança da infraestrutura
• Bruxelas, 23 de janeiro de 2014 – Fiscalidade: tributação à saída aplicável às pessoas singulares – Comissão intenta ação contra Portugal no Tribunal de Justiça
• Bruxelas, 10 de julho de 2014 – Comissão intenta ação contra Portugal por causa do tratamento das águas residuais
• Bruxelas, 10 de julho de 2014 – Fiscalidade: Comissão intenta ação contra Portugal no Tribunal de Justiça devido a regras relativas ao imposto especial sobre o consumo de cigarros
• Bruxelas, 16 de outubro de 2014 – Ambiente: Comissão leva novamente Portugal a tribunal por tratamento inadequado das águas residuais, requerendo a aplicação de coimas
• Bruxelas, 26 Fevereiro 2015 – Comissão processa Portugal no Tribunal por não ter alterado o imposto de matrícula sobre os veículos usados em conformidade com a legislação da UE
• Bruxelas, 22 de outubro de 2015 – Transportes: Comissão intenta ações no Tribunal de Justiça da UE contra a República Checa, Luxemburgo e Portugal por falta de interligação dos registos eletrónicos de transporte
• Bruxelas, 19 de novembro de 2015 – Transportes: Comissão intenta ações contra a Estónia, a Itália, Portugal e a Eslovénia por não estarem ainda ligados à rede de cartas de condução da UE
A aplicação de sanções por violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento a Portugal seria algo inédito. E que, a acontecer, seria um orgulho histórico que PSD e CDS-PP poderiam reclamar para si – pela sua ação e governação, de sua culpa e mérito.
Se ainda a semana passada Maria Luís Albuquerque recusava que “a responsabilidade do que quer que venha a acontecer é responsabilidade do anterior Governo“, quando até o próprio comissário com a pasta dos assuntos económicos e financeiros reconhece o oposto, é por querer perpetuar o mito popular de que se estivesse hoje no Governo nunca a Comissão Europeia ponderaria defender sanções contra Portugal. Por querer perpetuar a fantasia de que, com a direita no poder, os desentendimentos e os litígios com as entidades europeias seriam inexistentes. Por querer perpetuar uma fábula infantil em que a direita aparece retratada como sendo a rigorosa e a cumpridora – apesar de, num espaço de 4 anos, terem conseguido aprovar doze orçamentos de estado, não cumprir uma única meta orçamental, registar mais de vinte inconstitucionalidades e, sim, vários incumprimentos e conflitos com as autoridades europeias.